domingo, 7 de dezembro de 2014

*A maldição dos africanos




Os africanos não são descendentes de Canaã, nem estão sob a maldição de Noé
Ao longo dos séculos algumas pessoas tentaram provar que a raça negra está destinada a ser subserviente por causa das palavras de Noé sobre o seu filho Cam que foi o pai dos povos africanos. Observemos o próprio texto da Escritura, e então eu darei três razões de porque isso não determina como os povos da África devem ser vistos e tratados. Lembre-se que Noé tinha três filhos: Sem, Cam e Jafé.

Gênesis 9.21–25:
Bebendo do vinho, embriagou-se [Noé] e se pôs nu dentro de sua tenda. Cam, pai de Canaã, vendo a nudez do pai, fê-lo saber, fora, a seus dois irmãos. Então, Sem e Jafé tomaram uma capa, puseram-na sobre os próprios ombros de ambos e, andando de costas, rostos desviados, cobriram a nudez do pai, sem que a vissem. Despertando Noé do seu vinho, soube o que lhe fizera o filho mais moço. Então disse: “Maldito seja [ou “será”] Canaã; seja servo dos servos a seus irmãos”.
Agora observe três coisas:

A Maldição de Noé Cai sobre Canaã
Primeiro, Noé toma essa ocasião do pecado de seu filho Cam e a usa para fazer uma predição sobre a prosperidade do filho mais novo de Cam, Canaã. Basicamente a predição é que os cananitas eventualmente seriam subjugados pelos descendentes de Sem e Jafé.

Ora, há muitas perguntas a se fazer aqui. Mas eu só tenho tempo para apontar algumas poucas relevantes ao nosso ponto principal. Cam tinha quatro filhos de acordo com Gênesis 10.6. “Os filhos de [eram] Cam: Cuxe, Mizraim, Pute e Canaã”. Ora, em termos gerais, Cuxe é provavelmente o ancestral dos povos da Etiópia; Mizraim é o ancestral dos egípcios; e Pute é o ancestral dos povos do norte da África, os líbios. Mas Canaã é o único dos quatro filhos que não é ancestral de povos africanos. Gênesis 10.15–18 cita os descendentes de Canaã: “Canaã gerou a Sidom, seu primogênito, e a Hete, e aos jebuseus, aos amorreus, aos girgaseus, aos heveus, aos arqueus, aos sineus, aos arvadeus, aos zemareus e aos hamateus”. Todos esses povos eram habitantes de Canaã e proximidades, não da África. E a predição de Noé se tornou verdade quando as nações cananitas foram expulsas pelos israelitas por causa de sua perversidade (Deuteronômio 9.4–5). Então a maldição não recai sobre os povos africanos, mas sobre os cananitas.

A Maldição de Noé Não Trata de Indivíduos
Segundo, a nação predita de Noé não dita como o povo de Deus deve tratar cananitas individuais. Por exemplo, cinco capítulos depois, em Gênesis 14.18, Abraão, descendente de Sete, encontra um cananita nativo chamado Melquisedeque, que era homem justo e “sacerdote do Deus Altíssimo”, e que abençoou Abraão. Abraão deu a ele o dízimo dos seus espólios. Então nem mesmo o fato de que Deus ordena julgamento sobre nações perversas dita a nós como devemos tratar indivíduos nas mesmas nações.

Deus Planeja Redenção para Todas as Nações
Terceiro, em Gênesis 12, Deus coloca em ação um grande plano de rendenção para todas as nações, para resgatá-las dessa e de qualquer outra maldição de pecado e julgamento. Ele chama a Abrão para todas as nações e faz uma aliança com ele e promete: Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; em ti serão benditas todas as famílias da terra”. “Todas as famílias da terra” inclui as famílias cananitas.

Então o que vemos é que, com Abraão, Deus está colocando em ação um plano de redenção que derruba cada maldição sobre qualquer pessoa que recebe a bênção de Abraão, a saber, o perdão e a aceitação de Deus que vem através de Jesus Cristo, a semente de Abraão (Gálatas 3.13–14).


Deus criou todos os grupos étnicos a partir de um ancestral humano.
Atos 17.26:
[Deus] de um só fez toda a raça humana [pan ethnos = todo grupo étnico] para habitar sobre toda a face da terra, havendo fixado os tempos previamente estabelecidos e os limites da sua habitação.
Observe duas coisas nesse texto.
Primeiro, observe que Deus é o CRIADOR dos grupos étnicos. “Deus fez de um só toda a raça humana”. Grupos étnicos não simplesmente aconteceram a partir de mudanças genéticas aleatórias. Eles aconteceram pelo desígnio e propósito de Deus. O texto diz claramente: “DEUS criou cada ethnos”.

Segundo, observe que Deus criou todos os grupos étnicos a partir de um ancestral humano. Paulo diz: “Ele fez DE UM SÓ cada ethnos”. Isso tem um murro especial quando você pondera o porquê de ele escolher dizer especificamente isso a esses atenienses no aerópago. Os atenienses apreciavam se vangloriar de que eles eram os autochthones, que quer dizer que eles haviam nascido em seu próprio solo nativo e não eram imigrantes de algum outro lugar ou grupo étnico. (Veja Lenski e Bruce, ad. loc.) Paulo escolhe confrontar esse orgulho étnico logo de cara. Deus criou todos os grupos étnicos — atenienses e bárbaros — e ele os criou a partir de um ancestral comum. Então vocês, atenienses, são feitos do mesmo tecido que os desprezados bárbaros e citas.

Todo membro de todo grupo étnico é feito à imagem de Deus.
Gênesis 1.27:
Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou.
Quando você coloca esse ensino de Gênesis 1 (que Deus criou o primeiro homem à sua imagem) junto com o ensino de Atos 17.26 (que Deus criou todos os grupos étnicos a partir desse primeiro ancestral), o que surge é que todos os membros de todos os grupos étnicos são criados à imagem de Deus.

Não importa qual a cor da pele, ou as feições do rosto, ou a textura do cabelo, ou outros traços genéticos; todo ser humano em todo grupo étnico possui uma alma imortal à imagem de Deus: uma mente com poderes de raciocínio singulares semelhantes aos de Deus, um coração com capacidade para julgamentos morais e afeições espirituais, e um potencial para relacionamento com Deus que separa completamente cada pessoa dos animais que Deus criou. Todo ser humano, seja qual for a cor, forma, idade, gênero, inteligência, saúde ou classe social, é criado à imagem de Deus.

É propósito e ordem de Deus que façamos discípulos para Jesus Cristo de cada grupo étnico do mundo, sem distinção.
Mateus 28.18–20:
Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século.
Fazei discípulos de “todas as nações” — isto é, de todo grupo étnico. É a mesma expressão de Atos 17.26, onde diz que Deus de um só criou “toda a raça humana” — todo grupo étnico. Assim como todos os grupos étnicos são criados à imagem de Deus, o objetivo de Deus é redimir pessoas de todo grupo étnico. O fato de sermos feitos à imagem de Deus não significa que somos salvos. Todos somos distorcidos pelo pecado. As singulares maneiras em que fomos criados para refletir a glória e o valor de Deus foram amplamente arruinadas. Então Deus enviou o seu Filho, Jesus, ao mundo para morrer por nós para que possamos crer nele e ser perdoados, limpos e restaurados, para que nos tornássemos troféus da sua graça.

A Bíblia proíbe casamento entre um crente e um incrédulo, mas não entre membros de diferentes grupos étnicos.
1 Coríntios 7.39:
A mulher está ligada enquanto vive o marido; contudo, se falecer o marido, fica livre para casar com quem quiser, mas somente no Senhor.
“Somente no Senhor”. A Bíblia nos direciona claramente a não casar com incrédulos. Se já estamos casados com um incrédulo, devemos permanecer casados (1 Coríntios 7.12–13; 1 Pedro 3.1–6). Mas se estamos livres para casar, devemos casar apenas com aquele que compartilha da nossa lealdade a Jesus.

Esse era o ponto principal das advertências do Antigo quanto a casar com aqueles que pertenciam a nações pagãs. Por exemplo, Deuteronômio 7.3–4:
Nem contrairás matrimônio com os filhos dessas nações; não darás tuas filhas a seus filhos, nem tomarás suas filhas para teus filhos; pois elas fariam desviar teus filhos de mim, para que servissem a outros deuses; e a ira do SENHOR se acenderia contra vós outros.

A questão não é mistura de cores, ou mistura de costumes, ou identidade do clã. A questão é: haverá uma lealdade comum ao Deus verdadeiro nesse casamento, ou haverá afeições divididas? A proibição na Palavra de Deus não é contra casamento inter-racial, mas contra casamento entre crente e incrédulo. Isso é exatamente o que esperaríamos se a grande base da nossa identidade não são as nossas diferenças étnicas, mas a nossa comum humanidade à imagem de Deus e a nossa nova humanidade à imagem de Cristo.

*Texto de John Piper. Um dos ministros e autores cristãos mais proeminentes e atuantes dos dias atuais, atingindo com suas publicações e mensagens milhões de pessoas em todo o mundo. Ele exerce seu ministério pastoral na Bethlehem Baptist Church, em Minneapolis, MN, nos EUA desde 1980.


Preto | Negro  - uso prático e preconceito 

Achille Mbembe, filósofo e historiador camaronês, propõe, em Crítica da Razão Negra, que o conceito de escravo tende a se fundir com o de negro até estes se tornarem uma coisa só. Para desfazer isso, ele defende a “reinvenção da comunidade”, e tal conceito encontra respaldo no processo de ressignificação e politização da ideia de raça, proposto pelo Movimento Negro Unificado (MNU) no final da década de 70.

Um artigo publicado em 1967 por Lerone Bennet Jr, editor sênior da revista Ebony, traz pontos importantes ao debate, como, por exemplo, a discussão que tomou conta dos Estados Unidos à época. Bennet escreve que “há um grupo que sustenta que a palavra negro é um epíteto impreciso que perpetua a mentalidade de mestre-escravo (…) outro grupo, constituído por defensores do Black Power, adotou um novo vocabulário em que a palavra preto é reservada para ‘irmãos pretos e irmãs que estão emancipando a si mesmo’”.

Muitos pensa na origem da palavra “negro”, dizendo que vem de nigro – do grego, inimigo – e, por isso, o certo seria falar “preto”. Na verdade, há discordância sobre a origem, posto que alguns historiadores acreditam que o termo tenha vindo do latim nigrum ou ainda necro, referente à morte (tese esta menos defendida). Mas o ponto é que o discurso de muitos caminha lado a lado ao do músico ganês Nabby Clifford, cujo vídeo onde aborda o tema se torno viral. Em termos gerais, Clifford diz que “negro” é uma palavra negativa, e o certo é usar “preto”.

No continente africano, é diferente. O conceito de raça sequer existia lá: quem o levou foi o branco colonizador para justificar a escravização, justificar a inferiorização de um determinado povo. Ou seja, na África, antes da chegada dos europeus, não existia nem negro, nem preto. Não havia necessidade, pois são grupos étnicos que já têm identidades próprias: ashantes, yorubás, egípcios… Não precisam do conceito de raça para se compreenderem enquanto povos diferentes.

A escravização e as diásporas nos deixaram vários símbolos, e nenhum deles é vazio. “Criado-mudo” não existe em vão. A destruição do racismo é complexa por inúmeros fatores, e um deles é a língua, pois temos um dicionário ainda racista. Apesar de concordar com a visão de rompimento com o léxico proposto pela escravidão, não ouso discordar dos mais antigos, como o pessoal do MNU, que ressignificou a palavra “negro”. Por isso, repito: não há um consenso. A língua é viva, mas a História também tem que ser.